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Crônicas

O pedido

O papel estava em cima da velha mesa de madeira que ficava na cozinha de sua casa. Era uma folha de caderno simples, arrancada de um daqueles cadernos baratos de prateleiras de supermercado que seu pai havia comprado para que pudesse iniciar o novo ano letivo de um modo diferente dos anos anteriores. Dessa vez, não precisaria pedir folhas “emprestadas” aos seus colegas para escrever o que a professora colocava no quadro.

 

Ele olhava para cada linha do papel, reparando no azul quase transparente que separava o pequeno espaço branco entre elas. Sabia que aquela folha poderia vir a lhe fazer falta quando chegasse à metade do ano, pois o caderno só tinha seis matérias, exatamente 120 folhas. A capa mole facilmente se desprenderia. Mas isso não era algo com que precisava se preocupar, pelo menos naquele momento. Ele precisava, na verdade, escolher quais palavras iria escrever naquela folha, quais palavras que iriam dizer qual erao presente que mais desejava.

 

O lápis de ponta grossa, feita com faca por não ter apontador, já estava em sua mão esquerda. Não poderia errar, pois o resto da borracha que tinha ganhado havia evaporado. Decidiu iniciar a carta escrevendo a data. Sempre gostou do lugarzinho marcado na parte superior da folha especificamente para isso.

 

Faltavam cinco dias para o natal, então, concluiu que era dia 20 de dezembro de 2016. Traçou o contorno de cada número. Agora, era a vez das letras. Preferia as vogais. A, e, i, o, u. Adorava recitá-las em voz alta, chegava a deixar sua mãe nervosa, mas, no fim das contas, ela sempre ficava contente com seu interesse em aprender. Divagou por um momento.

 

Quando voltou a encarar a folha de caderno, lembrou-se do modo tradicional de começar um pedido de natal. Resolveu começar por ele: “QUERIDO PAPAI NOEL”. Escreveu como de costume, sempre em “letra de fôrma”, como conhecia. “MEU NOME É CLEBERTOM MAS MEU APILIDO É CABURÉ. É A PRIMEIRA VEZ QUE EU TO TI ESCREVENDO E O SINHÔ NÃO TEM IDÉIA DO QUANTO EU TO CONTENTI COM ISSO”. A primeira parte havia sido um sucesso. Apesar da caligrafia torta e um pouco fora da linha, ele sentia que não tinha cometido nenhum erro o qual precisasse reescrever.

 

O momento mais difícil viria agora. Desejava tanta coisa que não sabia ao certo o que pedir. Só tinha direito a um único presente. Pensou em tudo aquilo que nunca teve durante seus oito anos de idade. Carrinho de brinquedo; um kit de material escolar; bola de couro para jogar futebol com os irmãos; bicicleta; boneco de super-herói; jogo de montar peças; pistola de brinquedo; guarda-roupa; uma cama só para si; mochila; tênis e roupas de loja; vídeo game; etc. e etc.

 

Foi então que percebeu que, naquele momento, nada daquilo era de grande importância. Não sabia se, caso ganhasse qualquer um daqueles presentes, supriria pelo menos dez por cento da alegria que desejava sentir e não sabia, também, até que ponto o Papai Noel, em quem ele tanto acreditava, seria capaz de realizar algum de seus desejos. Nada disso ele sabia, mas arriscou sem medo: “EU SEMPRE SONHEI EM GANHAR UM PRESENTE DO SINHÔ E AGORA QUE TÔ TENO A CHANCE DE LE PEDIR UM EU NUM SEI MAIS SE EU QUERO GANHAR UM BRINQUEDO. SI O SINHÔ PUDER TRAZ MINHA MAINHA DE VOLTA PRA MIM EU VOU FICAR UM MONTE FELIZ QUE O SINHÔ NUM TEM IDÉIA, MAS SI O SINHO NUM PUDÉ FAZER ISSO PAPAI NOEL EU ACEITO QUALQUER PRESENTE QUE O SINHÔ QUISER ME MANDAR VIU. VAI SER DIMUITO BOM GRADO”. Assinou a carta com o seu nome completo, pôs a folha de caderno com seu pedido dentro do envelope que havia comprado com os trocados que seu pai havia lhe dado e, por fim, selou o papel com a cola de goma que havia preparado um mês antes com a ajuda de sua mãe.

Por Afonso Ribas
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